Nepotismo: Prática intolerável e ilegal que necessita de nova interpretação do STF

  


Não raramente, até porque amplamente divulgado na imprensa, os gestores públicos – de todas as esferas (federal, estadual, municipal e distrital) nomeiam ou contratam familiares (cônjuges, companheiros, filhos, etc.) para exercerem cargos públicos no âmbito da Administração Pública.

As nomeações e contratações, dentre outros argumentos lançados pelos agentes políticos, se dão ao fundamento de que inexiste vedação legal para cargos de natureza política, desde que inexistente fraude a lei e capacidade técnica do nomeado.

Ainda que vedada a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, em cargos públicos, o Supremo Tribunal Federal (STF) ressalvou a aplicação da Súmula Vinculante n. 13 tão somente a cargos administrativos, permitindo a nomeação e contratação para cargos e nomeações políticas, salvo em situações flagrantes de fraude à lei (STF. RCL 31.732, REL. MIN. MARCO AURÉLIO, RED. P/ O AC. MIN. ALEXANDRE DE MORAES, 1ª T, J. 5-11-2019, DJE 19 DE 3-2-2020; STF. RE 825.682 AGR, REL. MIN. TEORI ZAVASCKI, 2ª T, J. 10-2-2015, DJE 39 DE 2-3-2015).

A inteligência da Corte Suprema, externada anteriormente e sem outras tantas considerações, tem como corolário de que a vedação do enunciado vinculativo não se aplica a cargos comissionados e funções de confiança (art. 37, II, CF/1988), sendo sua aplicabilidade, tão somente, para funções de índole administrativa.

Conforme arrazoado até aqui, as alegações e nomeações perpetradas por agentes políticos de familiares, ao que tudo indica, são providas de legalidade, não incidindo o gestor público na prática de crime e ato de improbidade administrativa.

A sapiência da Excelsa Corte, com respeito a argumentações em sentido contrário, deve ser revista.

Se de um lado a interpretação da Corte Suprema sobre o assunto dá aspecto de legalidade às nomeações de parentes de agentes políticos em cargos públicos, de outro, deve-se observar outras normas legais, constitucionais e infraconstitucionais.

A vedação ao nepotismo decorre de postulados constitucionais, sendo incompatível com o Estado brasileiro.

Aqui, ainda que sabido, tem-se que o Estado Democrático de Direito assinala que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, CF/1988).

Ainda que o Estado de Direito se submeta aos ditames legais (princípio da legalidade), cediço que a simples observância a norma legal não se mostra suficiente para o resguardo de outros postulados constitucionais, notadamente o da impessoalidade.

O princípio da impessoalidade não pode ser visto, única e exclusivamente, sob o ponto de vista de neutralidade da administração pública com fins de satisfazer os inúmeros interesses da coletividade. Deve ser entendido também como a impossibilidade de favorecimento em ocupação de cargos públicos por parentes de agentes políticos.

Não parece crível, por exemplo, que um parente (cônjuge, companheiro, filho, etc.) do chefe do Executivo (federal, estadual, distrital ou municipal) nomeado para o exercício do cargo de procurador geral, ainda que dotado de habilitação ou capacidade para tal intento, emita um parecer jurídico com a devida isenção, no caso, por exemplo, de outros casos de outras contratações ou nomeações de outras pessoas com parentesco com o gestor público que o nomeou.

A inteligência da Excelsa Corte – no sentido de permitir a nomeação e a contratação de parentes de agentes políticos para o exercício de cargos comissionados e funções gratificadas – também vai de encontro as regras legais do Decreto n. 7203/2010 (Dispõe sobre a vedação de nepotismo no âmbito da administração pública federal).

O nepotismo, conforme previsão legal no Decreto n. 7203/2010 (Dispõe sobre a vedação de nepotismo no âmbito da administração pública federal), deve ser entendido como o favorecimento de parentes de políticos ou de pessoas que exercem o poder na administração pública, por meio de nomeações, contratações ou designações para ocupação de cargos públicos.

As vedações tratadas no Decreto em referência abrangem, dentre outras hipóteses, nomeações, contratações e designações de familiares (cônjuges, parentes, etc.) para o exercício de cargos em comissão ou função de confiança, sendo, por consequência lógica, conflitante com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Há, como visto, conflito entre a interpretação da Corte Suprema brasileira – afastamento da incidência da Súmula Vinculante n. 13 em casos de nomeações de parentes de agentes políticos para cargos em comissão ou função gratificadas - com dispositivos legais de índole constitucional (art. 37, caput, CF/1988) e infraconstitucional (Decreto n. 7203/2010).

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve revisar (art. 103-A, CF/1988) o entendimento com o fim de dar validade e eficácia plena ao contido na Súmula Vinculante n. 13, ou seja, estender a vedação no enunciado contido a nomeação e contratação de parentes de agentes políticos para quaisquer cargos públicos, independentemente de sua natureza.

Manter a inteligência é chancelar o nepotismo, desenfreado e descontrolado.


Por Valadares Neto 



Francisco Valadares Neto (Advogado, palestrante, escritor e professor). Graduado Bacharel em Direito (2001) pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Ji-Paraná (ILES/ULBRA). Pós graduado em Direito Público (2004) pela Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIP). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (2015) pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA). Procurador Jurídico efetivo do Município de Brasiléia - Estado do Acre (2016 - em vigor).

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