Ministro do STF cita “bomba social e fiscal” por falta de direitos trabalhistas e de contribuição previdenciária dos entregadores de aplicativo
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF),
criticou nesta sexta-feira (14) o enquadramento do trabalho de entregadores por
aplicativos como atividades empreendedoras.
O magistrado disse que a situação tem levado a uma “bomba
social e fiscal”, pelo fato de esses trabalhadores não terem direitos
trabalhistas que são reconhecidos há mais de 100 anos e por deixarem de
contribuir para a previdência social.
“Evidentemente sei o papel da livre iniciativa, e respeito.
Obviamente por apreço e acatamento à Constituição, mas desde que isso seja
real”, afirmou. “Ter uma bicicleta, colocar um isopor nas costas e sair
pedalando não é empreendedorismo”.
“Desprovido de qualquer patamar de direitos. Descanso
semanal, eu estou falando de século 19, início do século 20, descanso semanal
remunerado, 13º [salário], férias, proteção previdenciária básica”.
A declaração foi feita durante o 9º Congresso Brasileiro de
Direito Eleitoral, realizado em Curitiba.
“O que temos é uma bomba social e, chama atenção, uma bomba
fiscal”, afirmou Dino.
“Estes que são arautos da ideia de sustentabilidade fiscal,
que é um conceito fundamental da nossa Constituição, deveriam lembrar que estes
senhores e estas senhoras que trabalham como empreendedores do seu próprio
corpo, um dia serão idosos e, ao serem, por não terem contribuído para a
previdência, eles irão receber benefício assistencial, não contributivo, e o
conjunto da sociedade vai pagar”, declarou.
“Ao adoecerem, eles vão ser tratados no SUS, então creio
que essa ideia de igualdade interessa a toda a sociedade, mesmo os que estão no
topo da pirâmide social”.
Em nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia
(Amobitec) disse defender a regulamentação do transporte intermediado por
aplicativos para motoristas e entregadores desde 2022 e que reforçava a
necessidade de alterações na legislação que permitissem a inclusão
previdenciária desses trabalhadores.
Uberização
A posição do ministro toca no ponto do fenômeno conhecido
como “uberização” do trabalho. É desempenhado por entregadores ou motoristas de
carro ou moto por meio de uma mediação fornecida por aplicativos de celular.
O tema é alvo de intensa controvérsia no Judiciário,
principalmente por interpretações diferentes dadas pela Justiça do Trabalho e
pelo STF.
O Supremo tem dado diversas decisões individuais derrubando
o entendimento de tribunais do trabalho que reconhecem o vínculo de emprego
entre plataformas de aplicativos e trabalhadores.
Em dezembro, a primeira turma do STF fixou um entendimento sobre o tema, ao derrubar uma
decisão da Justiça do Trabalho que havia reconhecido o vínculo de emprego de um
motorista com a plataforma Cabify.
Na época, Dino ainda não integrava o colegiado.
O entendimento dos ministros é de que a Justiça do Trabalho
tem descumprido definições do Supremo no assunto.
São citados, por exemplo, decisões do Supremo sobre a
validade da terceirização da atividade-fim em todas as atividades empresariais
e a validade de outras formas de relação de emprego, que não a regulada pela
CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Prós e contras
Um dos defensores do novo formato de trabalho é o ministro
Alexandre de Moraes. Para ele, a relação entre empresas de aplicativos e os que
atuam como motoristas é uma “nova forma de trabalho” que possibilita aumento de
emprego e renda e a liberdade.
Conforme Moraes, o serviço de transporte e entrega por
aplicativo é uma evolução que possibilitou melhores condições da população
obter renda. Reverter isso seria, para ele, inconstitucional e “extremamente
prejudicial à sociedade”.
“É a livre-iniciativa que a Constituição consagra
garantindo novas possibilidades das pessoas terem uma forma de produzir renda”,
afirmou, durante o julgamento da primeira turma, em dezembro.
“Aquele que dirige o veículo, que faz parte da Cabify,
Uber, iFood, ele tem a liberdade de aceitar as corridas que quer, de fazer seu
horário e, a maioria dos profissionais destaca”, declarou.
“Ele tem a liberdade de ter outros vínculos. Você é um
microempreendedor, é uma forma de trabalho nova, no Brasil e no mundo todo.
Isso foi uma evolução, não sem resistência”.
Coube à ministra Cármen Lúcia fazer uma ponderação ao
sistema, citando preocupação com a situação da previdência.
Segundo a magistrada, as pessoas que atuam no formato
uberizado “não têm direitos sociais garantidos na Constituição, por ausência de
serem devidamente suportados por uma legislação que diga como será a seguridade
social para eles”.
Ela também disse que não basta simplesmente aplicar a CLT a
esse novo formato de trabalho. “A relação é diferente. Não tenho dúvida que a
manutenção dessas situações restabelecendo algo que não está na lei descumpre,
sim, a legislação. O Brasil adotou outros modelos de trabalho. Então a chamada
uberização e pejotização entronizou-se na vida das pessoas.”
Por CNN